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Arquitetos: Aurora Arquitectos
- Área: 200 m²
- Ano: 2015
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Fotografias:Do Mal o Menos
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Fabricantes: Blum, Flos, JNF, Legrand, Sanitana, Somor
Descrição enviada pela equipe de projeto. It is not necessary to create a world, but the possibility of a world, Jean-Luc Godard em Reflexivity in Film and Architecture, 1985.
O conceito de reflexividade, tanto no seu contexto cinematográfico e literário como na sua apropriação pela arquitectura, refere-se ao momento em que subitamente a obra chama a atenção para si mesma enquanto realidade construída e ficcional.
Deste modo, a intervenção no Apartamento na Estrela revela a própria lógica da reabilitação, tornando explícita a ruptura temporal e formal, sem deixar de reconhecer que dessa acção nasce a possibilidade de reconciliação de realidades distintas.
Assumir as questões levantadas pela natureza da reabilitação torna-se ainda mais pertinente se tivermos em conta que o apartamento não só dispunha inicialmente de qualidade arquitectónica como se encontrava em bom estado e pronto para habitar. A intervenção parte, acima de tudo, de uma redefinição programática e reforço das possibilidades de apropriação do espaço pelo cliente. O projecto passa assim por duas abordagens marcadamente distintas.
De carácter mais directo, a recuperação dos elementos e linguagem originais permite potenciar as qualidades construtivas pré-existentes. São mantidos o pavimento de madeira original, a azulejaria da cozinha, as guarnições dos vãos e a decoração das paredes e tectos. O lado sul do apartamento, composto pela cozinha, zonas de serviço e um quarto, mantém a sua configuração original.
A forma como é trabalhada a superfície de azulejos que envolve a cozinha introduz o desejo de diferenciação entre as características primitivas e a nova intervenção. Para além de permitir uma leitura de continuidade na reabilitação, esta abordagem estabelece uma base de contraste para a intervenção que lhe é justaposta.
Essa justaposição é posta em maior evidência no lado norte do apartamento, onde se procedeu a uma total inversão programática. A área privada, inicialmente composta por três quartos, deu lugar a uma única sala de estar. A área social, composta pela antiga sala e escritório, deu origem a dois quartos e um closet. Com a reconfiguração destes espaços surge a questão de como unir aquilo que existira em separado ou dividir o que sempre fora uno.
Na sala, a referência às paredes demolidas permanece como uma coordenada temporal através do emolduramento do seu negativo, definido por um aro de madeira e latão, e da sugestão do seu atravessamento pelo vestígio das portas, definidas pela guarnição e bandeiras. Por sua vez, a parede que agora divide os quartos é um gesto afirmativo, chamando a atenção para si mesma como dispositivo de separação e remetendo a leitura espacial para a sala que lhe deu origem.
O que podia ser facilmente interpretado como uma operação de união e divisão transforma-se num dos principais temas do projecto — o da reversibilidade. O problema espacial dá origem a uma preocupação temporal. Aceita-se que a reabilitação faz parte de um processo contínuo de alterações e de constante revisão da sua própria validade.
E é da relação de diálogo permanente da pré-existência com os novos elementos que resulta a criação de inesperadas possibilidades. Uma espécie de palimpsesto como forma de repensar e desafiar as funções e relações preestabelecidas, dos utilizadores à própria arquitectura.